quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Quem sou eu?

Acordar pela manhã. Levantar-se e cuidar da higiene pessoal. Fazer o desjejum. Cuidar das tarefas básicas de casa. Utilizar transporte para ir ao trabalho. Trabalhar de oito a dez horas por dia. Retornar a casa. Dedicar um tempo às preferências pessoais. Relacionar-se com as pessoas que ama e, por fim, deitar-se para que a rotina se inicie novamente num novo dia. E assim o é até que, enfim, chega o sábado e domingo e algumas destas ações são ajustadas ou alteradas por outras tidas como nossa preferência e prioridade.
Assim caracterizamos a rotina em nossas vidas, que é presente a cem por cento das pessoas, e mesmo aqueles que não têm a configuração de tarefas lineares e temporais, dizem que também estão na situação de rotina: rotina de não se ter rotina.
Será que a rotina é ruim? Se sim, porque configuramos nossa realidade dentro desse sistema? É interessante, pois, se observarmos cautelosamente nossos atos, desde a fala até os traços comportamentais de atitudes, tudo poderá ser julgado como parte integrante de uma rotina – que pode ser consequência de um padrão ou a falta de um padrão.
E é interessante observar nosso movimento dentro da sociedade quando caracterizamos algo como rotineiro. As reações são as mais diversas possíveis, mas é muito comum escutarmos comentários como “eu odeio rotina”, “é sempre a mesma coisa, todos os dias”. “nada de diferente acontece por aqui”, e por aí vai...
Nesse processo de reconstrução, estive pensando sobre essa questão ao longo dos dias e percebi que as deflagrações que fazemos a respeito da rotina são, na verdade, resultados de um sentimento de vazio. Isso mesmo: vazio. O sentimento de vazio que está atrelado a perceber superficialmente as características da realidade que nos cerca; ao ato de agir sem necessariamente se esforçar em pensar e em analisar se [isso ou aquilo] realmente faz sentido para as nossas vidas.
O que ocorre é que temos o ímpeto de suprir as questões de nosso interior com movimentos automáticos e de pouco esforço mental. Não suscitamos o porquê das situações ou fenômenos, pois tememos o desconhecido, e nos esquecemos de que o desconhecido reside tão somente dentro do nosso interior, e não é obrigação do outro – seja ele quem for – responder a nossa dúvida interior.
É importante o movimento de se analisar, de buscar no profundo de si mesmo o motivo pelo qual se sente da forma que se sente. “E o que eu vou fazer com isso?”, você pode perguntar, assim como tantas vezes perguntei – e ainda pergunto – a mim mesmo. As respostas que serão dadas a essa questão dependem muito dos comportamentos que deixamos de desempenhar ao longo da vida e que hoje nos faz falta. Falta que expressamos através das atitudes negligenciadoras e egoístas, que não corroboram com ninguém a não ser nós mesmos. Mas saiba que a nossa negligência e o nosso egoísmo são consequências do medo. Medo de se deparar com o desconhecido dentro de nós anunciando para os outros as deficiências que deixamos crescer no profundo de nossa alma. E com medo de sermos descobertos e despidos de nossas reais intenções, que consideramos como fraquezas, nós passamos a assumir um papel transitório que pode se modificar dependendo daquele com quem se relaciona. Esses papéis são como armaduras de batalha, que protegem o eu mortal, enfraquecido e temerário. É assim que deixamos de nos manifestar de maneira plena e ‘equilibrada’ e passamos a utilizar a nossa armadura para nos defender; às vezes, inclusive, reagindo às situações de forma arrogante ou desumana.
Gradualmente, quando permitimos que o medo de se descobrir cresça dentro de nós, tendemos a buscar respostas no exterior, no mundo material. Passamos a achar que o dinheiro solucionará os problemas de caráter ou a satisfação pessoal; que os remédios curarão os pensamentos e as dores físicas; que a segurança é uma questão de policiamento adequado; ou que a união da família depende dos outros e não de mim mesmo... É o que acontece quando adquirimos a armadura como ferramenta para reparar algo que, em essência, é natural e incondicional... com o tempo, é preciso realizar as manutenções. Para que facilite a compreensão, utilizemos a Natureza como exemplo: quando perturbamos o ciclo da Natureza, destruindo arvores e construindo prédios ou estradas, Ela tentará buscará o equilíbrio, respondendo com as ondas de calor, de frio, de água e até mesmo de fogo numa tentativa de sanar a ferida ou a inflamação gerada. Ou seja, Ela recorre a algo dentro de si mesma para curar-se. Assim também é o ser humano. Quando ele oprime, viola ou destrói um princípio seu, ele pode manifestar uma doença, uma inflamação e até mesmo se machucar na busca pela resposta ou pela harmonia. Mas assim como ocorre com a Natureza, as respostas do ser humano residem no seu âmago.
Não é difícil ver pessoas que, por falta de amor dos pais se envolvem com drogas buscando a fuga desta realidade pesarosa e triste; assim como também há mulheres que manifestam o câncer de útero, mama ou ovário por se anularem ou reprimirem o real desejo dentro de seus relacionamentos; e sem falar naqueles, carentes e egoístas que, por estarem sentindo falta de carinho tentam suprimir o sentimento que lhe falta com o excesso de comida; os ingratos que vivem com enxaqueca, mas não percebem que o que lhes falta é agradecer por aquilo que têm; os invejosos, rancorosos, possessivos e passionais que sempre acabam com seus corações infartados... Entenda, não é uma regra, mas sim exemplos do que podemos manifestar quando continuamos vestindo nossas armaduras sociais.
Somos responsáveis por aquele e aquilo com quem convivemos e cativamos. Negligenciar e se proteger é evitar se conhecer e amadurecer. Esta afirmação está de acordo com o que o Jesus Cristo uma vez disse "Ame a teu próximo como a ti mesmo e não faça aos outros o que não quer que façam contigo." E ele tem razão.
Existem três formas sublimes de nos despirmos da armadura que levamos como fardo, e mesmo que nos valhamos de apenas uma delas como pilar em nossas vidas, ainda sim será possível compreender as outras duas. São elas: o Amor, a Gratidão (ou atos de caridade) e o Perdão (de si mesmo e do outro). O Amor é o único sentimento que verdadeiramente existe, a essência da Vida. A Gratidão é a ação, é o movimento positivo da Vida que agrega e traz a evolução contínua. E o perdão é a união, a compreensão de unicidade, de ser com o outro.
Capazes de realizar transformações transcendentais no eu, essas três formas sublimes podem trazer à essência todas as relações humanas. 
Um ser humano que manifeste o Amor, a Gratidão ou o Perdão é necessariamente um ser humano espiritualizado ou moralmente evoluído – o que não quer dizer religioso; é aquele ser humano que compreendeu que ser está além das faces da matéria; que aos poucos deixou sua armadura pelo caminho e secou suas chagas com a ajuda e a compreensão do que é outro; e que ousou mergulhar dentro de si mesmo e fazer a pergunta que muitos de nós tememos fazer:

“Quem sou eu?”

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